O TEMPO DO LUTO E O TEMPO DO INVENTÁRIO
Em março deste ano, através do perfil
somosduopoa, escrevemos sobre o possível descompasso entre o tempo do luto e o tempo do inventário. Naquele mês estávamos num dos piores momentos da pandemia, com mortes diárias que ultrapassavam 3 mil pessoas. A imposição da morte precoce nos traz muita dor, necessidade de estabelecer novos arranjos familiares e, inclusive, reorganizar o financeiro do finado, pois na data do óbito os seus bens foram transferidos para os seus herdeiros. A família necessita, então, olhar para essas questões, além de constatar que a vida da família e suas relações chegam ao final de um ciclo. Não há mais como resgatar a relação com quem se foi, e isso precisa ser aceito no tempo de cada um.
Entretanto, a lei nos coloca o prazo de 60 dias, contados da data do óbito, para iniciar o procedimento do inventário, que pode se dar na esfera extrajudicial ou judicial. No Rio Grande Sul ainda não se tem a multa por atraso na abertura do inventário, o que é bem diferente em outros Estados. A lei impõe esse tempo, e será que o tempo emocional caminha junto? Como conciliar o processo jurídico com o processo de luto? Não há dúvida de que ambos caminham lado a lado, porém em ritmos diferentes.
Pela teoria do processo dual do luto (STROEBES; SCHUT, 2010), este se dará de forma oscilatória, num certo momento o enlutado estará mais voltado para a dor da perda, e em outro momento o enlutado estará mais envolvido em atos de retomar os projetos de vida. Já o procedimento de inventário se desenvolverá em fases bem definidas e sucessivas segundo o que determina a legislação. Assim, o tempo do luto e o tempo do inventário podem ter um começo em conjunto, porém o desenvolvimento e o término não têm sintonia.
Os dilemas que nós profissionais do direito nos debatemos nos processos de inventário são resumidos na seguinte frase: expectativas dos herdeiros versus direitos sucessórios. Precisamos, mais uma vez, de um trabalho interdisciplinar para auxiliar as famílias a se reorganizarem a partir do que é viável dentro da sua realidade. Busca-se cumprir as obrigações legais sem desconsiderar o emocional das pessoas envolvidas, visando assim concretizar uma partilha que é o objetivo do procedimento do inventário.
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